A Lei da Mordaça

Nada há de tão ruim que não possa piorar. Esse adágio popular que antes servia para indicar o grau de pessimismo do indivíduo parece ter virado mantra nos últimos tempos no Brasil e, mais particularmente, em Alagoas. À guisa de um moralismo que, não raro, serve de escudo às mais escabrosas imoralidades, parlamentares eleitos pelo povo, valendo-se, muitas vezes, de expedientes pouco ou nada republicanos, aprovam uma lei cujo escopo é limitar a atuação do trabalho do professor, o seu magistério, que tem na palavra (escrita e falada) a sua forma preponderante de expressão.

O professor que, nas sociedades ditas civilizadas é por excelência um profissional pelo qual os Estados dessas sociedades têm respeito e, em muitos casos, lhe destinam especial reverência, traduzida é, claro, como convém a sociedades de mercado, em salários dignos, condinzentes com a relevância social da sua profissão, caso do Japão, Finlândia, Suécia, Suíça, Alemanha etc. Sabem os dirigentes das sociedades ditas desenvolvidas, que o seu desenvolvimento é decorrente do modelo de educação que têm. Ensino de qualidade, pesquisa séria e comprometida com as necessidades dos seus povos. Sabem os senhores de lá que sem educação não há alternativa para seus países, para as suas nações; sabem também que é no povo, com seus valores, suas crenças, convicções filosóficas, ideológicas e políticas, sua cultura que reside a força da sua existência enquanto poder.

Tudo isso se fundamenta, entretanto, em um valor muito caro a todos os povos, todas as nações, todas as culturas, que perpassa todos os espaços geográficos politicamente organizados ou não, que é a LIBERDADE.

Liberdade enquanto valor; liberdade enquanto princípio fundante de qualquer grupamento social ou mesmo de um único indivíduo. Liberdade enquanto forma de expressão de pensamento. A liberdade é tão preciosa, que ela é ao mesmo tempo direito e meio através do qual outros direitos se afirmam. Em nosso ordenamento jurídico, a liberdade aparece como um dos objetivos da República no art. 3º, I da Constituição de 1988. Ela também aparece de forma lapidar na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu art. 3º, II.

Alagoas ontem foi palco de um triste e gravíssimo episódio: o seu parlamento chancelou uma grave violação aos direitos humanos. Atentar contra a manifestação de pensamento, a livre expressão do professor no exercício do seu magistério, é CRIME de violação da dignidade humana, abjeta por si só e mais repugnante e repugnável quando se constata a origem de tão grave violação. Só para lembrar, a dignidade humana é um dos fundamentos do Estado brasileiro, insculpido no III, do art. 1º da Constituição Federal.

A dignidade humana do professor das redes estadual e municipais de Alagoas públicas já vêm sendo de há muito vilipendiada com a aquiescência do silêncio das maiorias: quando recebem os salários mais aviltantes, quando trabalham em ambientes insalubres e inseguros, quando sequer conseguem liberação para se qualificarem em nível de mestrado e doutorado. É esse mesmo Estado que se pronuncia em nome da família e da paz social e ignora o número vergonhoso e assombroso de jovens negros mortos diariamente em nossas periferias; é o mesmo estado que faz vista grossa ao imenso número de crianças e jovens em grave situação de risco social nas ruas e nos sinais; é o mesmo Estado detentor dos inaceitáveis índices de desenvolvimento humano do país. Aqui, a miséria grassa. E o parlamento alagoano, esse mesmo que aprovou a chamada Lei da Mordaça, que sustenta em sua folha de pagamento inúmeras pessoas com altos salários que recebem sem trabalhar, dilapidando o erário estadual.

Alguém já se questionou por que essa vontade incontrolável de PODAR, CERCEAR a liberdade do professor? Por que será que esse profissional oferece tantos riscos à ordem vigente? Ao respondermos a tais questões, certamente encontraremos aí a razão para lutarmos coletivamente por aquilo que está na Constituição e na LDB: por uma sociedade justa, livre e igualitária. Não será esse o assombro dos que precisam da miséria do alagoano para viverem no fausto? Não será que eles descobriram, até mesmo antes de nós, o nosso poder? E àqueles que pensam não ter nada com isso porque não estão sendo atingidos pelo menos diretamente agora, que não são professores, trago em meu socorro o sempre atual e belo poema de Bertold Brecht:

“Primeiro levaram os negros
 Mas não me importei com isso
 Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário 

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável 

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei 

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”

 

P.S: ante a flagrante inconstitucionalidade dessa lei anacrônica, imoral, e desrespeitosa, as entidades dos trabalhadores em educação irão aos tribunais para que estes declarem tal inconstitucionalidade. Com tal iniciativa, o parlamento alagoano expõe suas vísceras, mostrando quão reacionário, conservador, anacrônico e completamente divorciado dos interesses mais legítimos do povo alagoano é.

Texto: Elizabete Patriota

Foto: Renalvo Cavalcante

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