O desprezo à vida humana nas palavras do presidente da República

Por Elaine Lima

É com grande indignação que assistimos o pronunciamento oficial do presidente da república nesta terça-feira, 24 de março. Nesse texto, quero não apenas repudiar tais absurdos, como defender uma outra proposta para a nossa categoria e, neste momento, para todo o povo brasileiro.

O mundo está passando por uma profunda crise de saúde pública. A pandemia provocada pelo Coronavírus, Covid-19, já se tornou uma das maiores ameaças à vida das pessoas no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Assistimos estarrecidos ao pronunciamento do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que desrespeita a própria Constituição, no que diz respeito ao direito à vida, e contraria a todas as orientações da Organização Mundial de Saúde – OMS, que devem ser adotadas pelos países no sentido de controlar a disseminação e a contaminação desse vírus.

A OMS, maior autoridade em saúde no mundo, vem acompanhando os casos e recomendando o “isolamento social, testar o maior número de pessoas possíveis, localizar os infectados e tratá-los para conter as graves consequências da Covid-19”, que implica a morte de milhares de pessoas, como se tem visto por todo o mundo. Somente na Itália, o número de mortos já ultrapassou a casa dos 6 mil, segundo sites de notícias.

De acordo com a Universidade Johns Hopkings, de Mariland, nos Estados Unidos, já morreram, no mundo, em decorrência da Covid-19, 17.241 pessoas, 396.249 estão infectadas e esses números só aumentam. No Brasil, dados do Ministério da Saúde informam que são 2.201 casos confirmados e 46 mortos até ontem, 24 de março. Mas esses números só tendem a crescer, devido à quantidade insuficiente de testes que os sistemas de saúde vêm realizando.

Esses dados são importantes, porque são resultantes de todo um trabalho da comunidade científica para analisá-los com criticidade e estabelecer a gravidade que o vírus representa. Diferentemente do que faz o presidente da república, movido pela necessidade prioritária de defender grandes banqueiros e empresários, precisamos defender a vida do povo brasileiro com informações corretas e cientificamente amparadas.

Nesse sentido, jamais poderíamos aceitar as medidas por ele adotadas diante dessa pandemia, tampouco suas declarações sem quaisquer sustentações científicas, senão somente lastreadas por um profundo descaso e desrespeito pelos trabalhadores brasileiros. O presidente desestimula o isolamento social, que é uma das formas mais eficazes de controlar a disseminação do vírus, e conclama todos a voltarem às suas atividades normais, incluindo o trabalho e a escola. Afirma, irresponsavelmente, que a maioria das pessoas que poderão morrer com a Covid-19 estão acima de 60 anos, como se essas vidas não importassem mais, e que os casos fatais entre pessoas com menos de 40 anos são raros, inclusive desconsidera uma parcela importante da população que compõe o grupo de risco por já possuir algum tipo de doença que compromete ou vulnerabiliza sua saúde.

Na realidade, o pronunciamento, longe de ser uma preocupação com a vida do povo, é o anúncio de mais uma tragédia no Brasil. O retorno às aulas pode favorecer a propagação do Coronavírus, pois, em estando o estudante ou mesmo o servidor contaminado, este não somente transmitirá a doença para os demais ao seu redor, como também, ao voltar para sua casa, levará consigo o vírus e o transmitirá para seus familiares, colocando ainda mais em risco os mais velhos e a parte da população que compõe o grupo de risco. O que significam, então, as palavras do presidente, quando diz: “Devemos ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial aos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da Saúde”; além de palavras mortalmente vazias para os milhões de idosos em nosso país? E onde fica a preocupação com os profissionais da Educação, que já são desvalorizados, mal remunerados e perseguidos? Só resta para uma parte destes também uma morte desoladora?

Desestimular ou tentar reverter o isolamento social já em andamento significa expor toda a população brasileira à contaminação pelo Coronavírus, o que configura um atentado contra a humanidade. Mesmo que os mais jovens possuam maior resistência, ao contrário dos mais velhos e das pessoas do grupo de risco, eles são vetores de transmissão rápida da doença, razão por que é falsa a informação de que os jovens não sofrerão nenhum impacto significativo em sua saúde. Pelo contrário, a OMS já alertou que as consequências para quem for infectado, independentemente da idade, podem ser irreversíveis. Infelizmente não se trata apenas de uma gripezinha, como debochou o presidente Jair Bolsonaro.

O Brasil possuía, segundo os dados do IBGE, só em 2019, em torno de 211 milhões de habitantes, sendo mais de 30 milhões de idosos acima de 60 anos. Não conter o vírus significa expor toda essa população, no mínimo, à morte. Significa não demonstrar nenhuma empatia com o outro ser humano.

Ao contrário do que afirma o presidente, não há, por parte do governo federal, nenhuma campanha esclarecedora sobre o vírus e suas consequências para a população. O que o governo mais pauta é o dano ao mercado e os prejuízos para os grandes empresários e banqueiros, reafirmando seu descompromisso com a saúde e a vida povo, sem, sequer, mencionar a taxação das grandes fortunas, que poderia arrecadar milhares de bilhões de reais e, de fato, atender à promoção do bem-estar social, se este fosse o seu real projeto de governo. Com a intenção, única e exclusiva, de favorecer a elite empresarial, o presidente assinou a medida provisória, MP 297, que permitia ao empresário suspender o contrato de trabalho e o pagamento do salário do trabalhador durante 4 meses. Após a revolta e a manifestação de insatisfação dos trabalhadores, o artigo 18 da referida MP, que trata da suspensão do contrato de trabalho e dos salários, foi revogado. Mas nenhuma medida de repasse de renda para esses trabalhadores, enquanto a quarentena permanecer, foi anunciada. Para os servidores públicos, o objetivo é retirar até 50% de seus salários, conforme Projeto de Lei, ainda sem número, apresentado pelo deputado federal Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, precarizando, assim, ainda mais a vida desses servidores e jogando mais uma parcela da população numa situação de pobreza.

Para o trabalhador informal, a situação é ainda mais grave. Não há nenhum amparo estabelecido para a garantia de sua sobrevivência. Os trabalhadores “uberizados”, por exemplo, se expõem nas ruas à contaminação do vírus, sem nenhum tipo de assistência básica à saúde. Ao invés de garantir uma renda mínima para esses trabalhadores e suas famílias, enquanto dura a pandemia, o retorno ao trabalho é o que foi defendido pelo presidente do Brasil. A morte para esses trabalhadores e, principalmente, seus familiares mais idosos e que compõem grupos de risco, nas medidas tomadas pela presidência, chegará por meio da fome, do abandono ou pela exposição ao vírus.

Dessa forma, o presidente continua na contramão de outros países que adotaram medidas eficazes para o amparo de sua população. No Reino Unido, por exemplo, segundo a BBC, o “governo conservador de Boris Johnson vai arcar com 80% do salário do trabalhador”. Ainda segundo a BBC, “A Espanha anunciou a mobilização de quase 20% do PIB para combater os efeitos econômicos da pandemia, com contribuições privadas e públicas. O governo espanhol estabeleceu uma moratória sobre pagamentos de hipotecas, ajuda financeira a trabalhadores independentes e empresas com perdas graves, isenção de pagamentos à previdência social, suspensão do corte de água e serviços de internet para aqueles que não podem pagar e direcionar ajuda à família com menos recursos financeiros”. Em outras palavras, no Brasil, o recurso, ao invés de ser utilizado para salvar vidas, assim como em outros países, está sendo destinado, já que isso é uma questão de escolha política, para o pagamento de juros da dívida externa, uma dívida que nunca foi auditada e que penaliza cada vez mais o povo até mesmo em momentos extremos como a pandemia pela qual estamos passando.

Com a promulgação da Emenda Constitucional 95, que limita/congela por 20 anos os gastos públicos, em vigor desde 2017, mas para a Saúde e a Educação em 2018, o Sistema Único de Saúde – SUS recebe, a cada ano, um repasse menor do Estado. Isso representa, na prática, um sucateamento do Sistema Público de Saúde, tornando-o incapaz de garantir a assistência básica à população mais carente e mais necessitada. Diante de uma pandemia, o que dizer a todas as possíveis vítimas do vírus? Com o aprofundamento da precarização e o colapso do sistema de saúde a partir de abril, reconhecido pelo próprio ministro da saúde, Mandetta, como o presidente pode falar em calma e tranquilidade!? Como pode agir como se a vida da classe trabalhadora não importasse!?

Em seu discurso, o presidente do Brasil homenageou os trabalhadores da área da saúde e os voluntários. Essa homenagem só pode ser entendida como ironia, uma vez que o sucateamento da saúde vem se agravando e seus profissionais não possuem, sequer, os instrumentos necessários para desempenhar seu trabalho da forma mais digna e satisfatória, além de ignorar o fato de que os próprios profissionais da saúde são vítimas da contaminação. O presidente ignora até o senso de equipe de governo, ao contradizer publicamente as orientações do Ministério da Saúde e demonstrar desdém aos danos provocados pela Covid-19.

O presidente em seu discurso tenta acalentar a população com a possibilidade de uma “cura”, a partir do uso da Cloroquina, que ainda está sendo testada em pacientes com a Covid-19, mas que os próprios especialistas da área de saúde afirmam não possuir dados suficientes para a sua aplicação com segurança nos infectados com o Coronavírus. Muitos experimentos ainda necessitam ser feitos e, se uma cura for possível por meio do uso desse medicamento, não se pode garantir isso agora.

O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro e as medidas tomadas por ele e sua equipe para conterem a disseminação do vírus são mais um ataque ao povo brasileiro por meio do desmonte dos serviços públicos e por meio do literal aniquilamento de boa parte da população vitimada agora também pelo Coronavírus. O objetivo é aprovar todas as reformas neoliberais que em nada favorecem o trabalhador. O Estado mínimo alardeado como a única forma de salvar a economia do Brasil é mínimo apenas para os trabalhadores, pois os recursos continuarão sendo fundamentalmente transferidos para empresas privadas continuarem ampliando seu capital, concentrando riquezas e agravando ainda mais a desigualdade social no país.

É nesse sentido que o Sintietfal conclama todo o povo brasileiro a rechaçar as medidas anunciadas pelo presidente e sua equipe. Não podemos aceitar as reformas de Paulo Guedes e os devaneios sádicos de Bolsonaro num surto genocida. Vamos pressionar nossos governadores, prefeitos, os gestores de nossas instituições públicas para que eles se manifestem publicamente contra as medidas presidenciais. Vamos denunciar as artimanhas do grande empresariado contra o salvamento de nossas vidas e de nossas famílias. Vamos defender uma renda mínima para todo o povo brasileiro que desta precisar, durante essa pandemia. Vamos ampliar o isolamento social para evitar a disseminação do Coronavírus e defender mais recursos para a Saúde, a Educação e os serviços sociais! Como? Aderindo aos barulhaços sempre que chamados pelos movimentos sociais, demonstrando nossa indignação pela internet, alertando a população que voltar às escolas e às universidades é um perigo mortal e, enfim, indo às ruas, quando passar esse período de disseminação e contágio do Coronavírus.

Eles não podem e não vão nos matar!

Todas as vidas importam!

 

Elaine Cristina dos Santos Lima é professora de filosofia do câmpus Maceió e presidenta em exercício do Sintietfal

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