Assédio Sexual na Rede Federal de Ensino: A invisibilidade que nos salta aos olhos

Embora a luta das mulheres tenha avançado significativamente nos últimos anos, ainda estamos bastante distantes de atingirmos a meta da emancipação humana e, concomitantemente, a emancipação da mulher. Como diz Saffioti em seu livro Gênero, Patriarcado e violência: “o importante a reter é que a base material do patriarcado não foi destituída, não obstante os avanços do feminismo, quer na área profissional, quer na representação no parlamento brasileiro e demais postos políticos” (2015, p.112). Além disto, observamos, principalmente no Brasil, um retrocesso das conquistas das mulheres. Sabemos que em momentos de crise são as mulheres as mais afetadas e atacadas. Dentre o ataque sofrido, vemos que maior parte deles ainda diz respeito ao direito ao nosso corpo e sexualidade.

Daqui concordamos com algumas discussões propostas por Collete Guillaumin, feminista francesa, materialista que escreve na década de 1970. A autora problematiza em seu texto “Práctica del poder e ideia de naturaliza” como a ideologia da natureza ligada ao corpo da mulher é a mais pura forma de opressão (e exploração) a elas. Numa das primeiras afirmações que faz, nos conduz a uma reflexão pertinente: “Veja bem, não tomamos publicamente senão aquilo que nos pertence; até os cleptomaníacos mais desenfreados se escondem para tentar apoderar-se daquilo que não é seu. No que diz respeito às mulheres, é inútil esconder- -se. Elas são um bem comum […] (Tradução nossa. Original em espanhol, 2005, p.19).

A autora nos diz que quando observa um louco na rua a fazer muito barulho, esse nunca toca nos homens, mas sempre tenta pegar nas partes íntimas de qualquer mulher que passe na rua. E assim defende a ideia de que o corpo da mulher é tomado como propriedade coletiva e portanto, pública. A isso, Colette chamará de apropriação das mulheres por parte de toda a sociedade, principalmente, dos homens.

Nesse sentido, uma das questões mais assustadoras e que ainda nos impõe um grande desafio, é ainda a crescente e permanente violência contra a mulher, seja ela praticada das mais diversas formas e em diferentes espaços. Nesse momento histórico, tão contraditório e em crise, torna-se fundamental colocarmos tal problema como principal eixo de nossas intervenções políticas. Não podemos mais permitir que mulheres sejam submetidas aos diversos abusos, desde o psicológico, moral, físico ao sexual. Precisamos agir, pois como diz o slogan das lutas sociais “Nossas vidas importam”. Precisamos, aqui, não só mostrar para toda a sociedade que elas importam. Precisamos pressionar nossas instituições a assumir um compromisso de combate à violência contra mulher de maneira geral, e especificamente, centrar-se na violência sexual, em forma de abuso e assédio sexual.

Sabemos que no Brasil ser mulher é um desafio, dado os altos índices de violência, apenas por ser mulher. Um fator imprescindível para compreendermos melhor as especificidades do assédio sexual no Brasil é a nossa história colonial, fundada na exploração fundiária e estupro de indígenas e negras. Em nossa gênese, assim como em outros países resultantes do modelo colonialista, o corpo da mulher é visto como território a ser invadido. Nossa cultura é, então, resultado de uma intersecção de opressões.

Essas opressões podem ser constatadas não apenas em nossos cotidianos, mas também através de dados. Conforme pesquisa realizada pelo Datafolha e publicado pelo Huffpost Brasil em dezembro de 2017: “5 em cada 10 adolescentes e jovens mulheres já sofreram assédio sexual no Brasil. Implica numa proporção de “56% das mulheres com 16 e 24 anos”. Parte desse assédio acontece no ambiente de trabalho e nos espaços da escola/faculdade. Conforme a pesquisa, 15% no ambiente de trabalho e 10% na escola. É evidente que nas pesquisas sobre assédio sexual, principalmente nas escolas, precisamos levar em consideração a possibilidade do silenciamento que habitualmente ocorrem nesses ambientes, por desconhecimento, por falta de suporte ou por medo.

Outro dado que aparece como importante para nossa tese é o significativo número relatado de assédios sexuais que ocorrem levando em consideração o nível escolar das mulheres entrevistadas. A pesquisa demonstra que “[…] quanto maior a instrução, maior é o número de casos. 57% das mulheres têm nível superior. ”

Sendo assim, esse problema não só tem caráter de urgência em relação a toda sociedade, como precisamos inseri-lo nas instituições as quais trabalhamos. De maneira recorrente, observamos as diversas campanhas de sindicatos e das instituições contra o assédio moral, mas até o presente momento, parece-nos bastante ínfima a participação massiva contra uma forma de violência invisível que acontece desde a rua até no ambiente escolar: o assédio sexual. Parece-nos que temos também nós, servidoras, nos eximido de discutir esse tema de maneira contundente e com uma amplitude nacional.

Temos visto que, lamentavelmente, a comprovação dos casos de assédio sexual sofre da mesma dificuldade do assédio moral. Respeitando-se suas especificidades, ambos são praticados por indivíduos que se valem de posições de poder para humilhar e desqualificar seus alvos em momentos onde as vítimas estão mais desprotegidas. Além disto, os abusadores sexuais desconhecem ou ignoram o que é consentimento, considerando suas investidas como algo “aceitável”. De acordo com Pesquisas realizadas pelo Data Folha e Kering Foudation, “2,2 milhões de mulheres já foi beijada ou agarrada sem consentimento”. O Coletivo não me Khalo (2016) em um dos seus textos apontam como alguns homens revelaram em pesquisa que fazer sexo com mulheres alcoolizadas não seria a mesma coisa que estupro, e que eles mesmos seriam capazes de praticar tal ato. Para eles, estupro e sexo sem consentimento são práticas diferentes, em que a última é aceitável. O que mais assusta e provavelmente também o que mais impede as denúncias é que são homens comuns, um indivíduo próximo, participante convívio social. Dentre os diversos ambientes, dois deles nos aparecem como lugares-comum de assédio sexual: a escola e o local de trabalho. Como vimos acima, corresponde à cerca de 25% dos relatos de assédio.

Assédio sexual: um problema que atinge às discentes e servidoras

Na escola e/ou universidade, o diário de classe é o instrumento de poder estabelecido na relação docente-estudante, tanto para concessão de benefícios, quanto para punir. Em julho de 2016, discentes do Instituto Federal de Goiás (IFG) decidiram ocupar o Campus de Cidade de Goiás em resposta às ações de um professor que aliciava estudantes (com promessa de boa pontuação) para assediar sexualmente alunas. Não era desconhecido da comunidade acadêmica o comportamento do referido professor, ainda sim, o silêncio pairava.

Problema maior está justamente na falta de acolhimento devido a esses e outros casos de violência à mulher. Ainda contamos com a omissão de escolas, institutos e universidades para combater práticas assediadoras. Parece um grande tabu assumir que a educação, infelizmente, não está livre da misoginia da sociedade capitalista. É certo que o professor não é o único agente assediador das escolas, mas é o que por essência da profissão, está imbuído historicamente da falsa premissa de autoridade inquestionável. A professora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Flávia Maria Moreira, em seu trabalho de especialização sobre gênero e diversidade na escola, afirma que

Tratado com extrema cautela e sigilo, o assédio por parte de agentes escolares parece se diluir ao se travestir de mal-entendido, talvez um excesso de carinho e atenção por parte desses servidores, e mais uma vez a culpa recai sobre a vítima, que interpretou de maneira errada as intenções do educador. (2016, p.01).

A escola por vezes é mais responsável pela perpetuação de violências simbólica e física do que pelo seu combate. Ela o faz a partir do momento em que se omite de desenvolver ações educativas sobre temas transversais, como sexualidade na adolescência e violências de gênero, por exemplo. É tarefa da escola preparar também o corpo técnico e docente para a desnaturalização das violências de gênero. A escola do nosso tempo ainda não está apta para uma sociedade não-heteronormativa. A escola da qual falamos inclui excluindo.

Evidentemente que, por outro lado, as trabalhadoras também sofrem com o assédio sexual na escola ou, no nosso caso, nos institutos. Estamos expostas todas nós, docentes, técnicas-administrativas e mulheres terceirizadas a todas as formas de violência.

A configuração das relações de poder opera de modo distinto em cada setor de trabalho. É aquele comentário na sala docente “Professora, a senhora vai bem? (Acompanhado de mão que alisa cabelos, ombros… da mulher); ou aquele convite insistente para tomar uma cerveja, vindo de um diretor de unidade. Na cartilha da assessoria jurídica do Sinasefe sobre o tema, são citadas outras situações que podem se configurar em assédio, “Como exemplo, (…): piadas, comentários sobre o corpo, idade, situação familiar, elogios atrevidos, galanteios, carícias, pedidos de favores, intimidações, ameaças, recusa de promoção, promessa de demissão ou promoção. ” (Cartilha Assédio Sexual: informações para o trabalhador/Wagner Advogados Associados, 2014, p.10).

O assédio sexual não é prática recente, mas só foi tipificado como crime em 2001 quando foi criada a Lei nº 10.224. Todavia, no domínio trabalhista, não há lei específica com sanção para o assédio sexual (Cartilha do Ministério Público do Trabalho, 2017). A Lei 8.112/1990, ainda que não preveja diretamente, conta no Art. 116 como dever do servidor a preservação da boa moralidade administrativa. Então, “mesmo que não exista regra específica no âmbito do serviço público federal, a conduta do assediador pode ser enquadrada no RJU, porque afronta o dever de moralidade, podendo constituir-se em incontinência de conduta e improbidade.” (Cartilha Assédio Sexual: informações para o trabalhador/Wagner Advogados Associados, p.16).

Embora ainda não se tenha uma lei específica para o assédio sexual, ele já pode ser tipificado como crime, conforme, explanado anteriormente. Assim sendo, algumas medidas devem ser encaminhadas urgentemente, visto que já foram muitos anos de invisibilidade e impunidade. Tais medidas devem tornar possível não apenas a devida punição dos assediadores, mas anteriormente assegurar que as mulheres/vítimas tenham acesso a canais de denúncia e, posteriormente, encontrem pontos de apoio em seus locais de trabalho/estudo.

Algumas instituições federais vêm tomando a dianteira na construção de ações em combate ao assédio sexual e apoio às referidas vítimas. Para que essas resoluções fossem tomadas, foi preciso que casos viessem à tona, tirassem o véu que ainda encobre e salvaguarda os abusadores. Dentre tais instituições, encontramos o Instituto Federal do Amazonas (IFAM), que produziu uma Cartilha para esclarecimento à comunidade acadêmica acerca do assédio e do abuso sexual, além disto, tornou público que a Ouvidoria é um canal de comunicação efetivo para denúncias, tornando possível que as vítimas possuam um meio para apuração de suas denúncias. O IFAM conta com uma ouvidoria geral e outra em cada Campus. A denúncia também pode ser feita via telefone.

Em Goiás vimos duas ações. Uma do Instituto Federal de Goiás (IFG) que criou uma Comissão de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e Sexual do Instituto Federal de Goiás (IFG) e que promove ações de esclarecimento à comunidade, bem como, age como um órgão de denúncia, assim “O CAS recebe denúncias de servidores que se encontram em situação de provável assédio. O relato pode ser feito por telefone ou por e-mail e, se possível, com as provas coletadas. O servidor também poderá agendar um encontro para atendimento psicológico e de assistência social”. Em Jataí, GO, Universidade Federal de Goiás (UFG) criou procedimentos especiais para depoimentos de mulheres vítimas de assédio sexual e moral, após apuração de denúncias contra um professor.

Nesse sentido, entendemos que:

  1. Cabem às seções sindicais encamparem campanhas contra o assédio sexual a estudantes e todas as trabalhadoras das nossas instituições de ensino (ainda que elas sejam terceirizadas ou não-sindicalizadas);
  2. Cabe ao SINASEFE, como nossa entidade nacional, fomentar uma grande campanha (Educação não combina com assédio sexual), de modo a pressionar as reitorias a criar espaços de acolhimento devido às vítimas de violências de gênero (não só para mulheres) e de apuração/punição de assediadores;
  3. Cabe ao SINASEFE, ainda, pressionar as seções filiadas para também criarem suas ouvidorias específicas para encaminhar casos de quaisquer violências de gênero ocorridas no âmbito sindical;
  4. Cabe a nós, servidoras (efetivas ou substitutas), formarmos grupos de apoio e de estudo. Antes de qualquer coisa, precisamos enfrentar o retrocesso vivido nas instituições federais e os diversos ataques sofridos por aqueles que pretendem discutir as questões de gênero no espaço escolar. Resistir aos ataques, formar grupos, levantar debates e incluir toda a comunidade acadêmica, informação, conhecimento e apoio mútuo são condições necessárias para as denúncias cheguem e que os culpados sejam punidos.

Por um SINASEFE onde mulheres e homens sejam atuantes no combate ao assédio sexual!

 

 

Assinam esta Tese:

Ana Lady Da Silva – Instituto Federal De Alagoas

Andréa Moraes – Instituto Federal De Alagoas

Geice Silva – Instituto Federal De Alagoas

Natália Freitas – Instituto Federal De Alagoas

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