Inflação em alta e congelamento salarial dos servidores públicos “melhoram” quadro fiscal do governo

Gabriel Magalhães Beltrão*

Os gastos da União com pessoal tiveram queda real de 3,3% nos primeiros sete meses de 2021 em comparação 2020. Caiu de R$ 201 bi para R$ 194 bi. Essa queda não se deve apenas ao congelamento salarial, que em algumas categorias (como PCCTAE) vem desde 2017, mas também à não reposição dos casos de vacância, que, segundo o próprio Ministério da Economia, tem tido taxa de reposição de apenas 30%.

Concomitantemente, a arrecadação da União no acumulado até julho/2021 acumula alta de 29,9% (+R$ 251 bi), fato que está muito associado a alta da inflação, que acumula o índice de 8,99% em 12 meses. Só com impostos e contribuições o Tesouro Nacional ampliou a sua arrecadação em 30,8% (+ R$ 163 bi). Por sinal, a alta da inflação está diretamente associada à política econômica do governo, que além de não tomar nenhuma iniciativa para conter os reflexos da alta dos preços das commodities no mercado interno, contribui ativamente para tal com a política de majoração de preços administrados (gasolina, diesel, gás de cozinha, energia elétrica).

O governo tem se utilizado do mix de inflação alta com congelamento salarial para se beneficiar do chamado “imposto inflacionário”: amplia a arrecadação em decorrência da inflação – afinal a estrutura tributária brasileira é essencialmente indireta, incidindo sobre bens e serviços – e reduz seus gastos com a folha de pessoal no bojo da política de arrocho salarial e não reposição nos casos de vacância. Para os/as servidores/as públicos/as federais a consequência dessa política é a corrosão do poder de compra dos salários e para a sociedade a deterioração da prestação dos serviços públicos. Mas e o governo, qual seu objetivo?

O governo ao ampliar sua receita – às custas da carestia e da fome de milhões de trabalhadores/as – e reduzir sua despesa – com o congelamento salarial dos/das servidores/as públicos/as – cria um saldo positivo que não se converte em investimento público, pois este recurso entra para o cálculo do resultado primário (RP). O RP é calculado pela relação entre receitas e despesas, excetuando-se as despesas financeiras (dívida pública). Desde 2015 o governo federal tem tido déficit primário e Paulo Guedes desde a campanha de 2018 se colocou a serviço da tarefa de zerar o déficit primário e, daí, retomar a geração de superávits primários. Neste ano o déficit primário até julho é de R$ 73 bi e o objetivo de Guedes é encerrar o ano com um déficit abaixo do 1,5% do PIB e zerar o déficit em 2022. Mesmo que as projeções do ministro em nada seja a mesma coisa, o próprio mercado tem apontado para a redução do déficit este ano. Segundo o Boletim Focus/BC, a estimativa de déficit primário caiu de 1,95% do PIB (julho) para 1,74% (agosto), apontando para a “melhora” das contas públicas. A questão é: às custas de quem? Sem dúvida às custas do povo brasileiro que vê seu custo de vida aumentar e seu salário perder poder de compra enquanto o governo amplia sua arrecadação e reduz suas despesas, sem que a arrecadação ampliada se reverta em políticas de bem-estar social, sendo canalizada para geração de resultado primário. Música para o ouvido do grande capital, fome e arrocho salarial para os/as trabalhadores/as.

A PEC32 (Reforma Administrativa) ao propor o fim ao RJU e da estabilidade tem como único objetivo reduzir substancialmente o gasto com pessoal na administração pública, que em 2020 totalizou R$ 321 bi, usando o argumento falacioso de que sobrará mais recursos para investimento. Não sejamos ingênuos/as nesta hora, as somas que forem economizadas com o custeio de pessoal serão revertidas para a formação de vultosos superávits primários, serão, portanto, surrupiadas da economia real – afinal salário de servidor/a se converte em consumo de bens e serviços – e canalizadas para o rentismo, sem que haja, inclusive, nenhuma garantia que a dívida pública seja reduzida – vide os vultosos superávits primários do período 2003-2013 que sequer foram capazes de compensar os juros da dívida.

Neste sentido, é necessário derrotar Bolsonaro-Guedes e a PEC32 na sua integralidade, abrindo caminho para se reverter num futuro breve o conjunto de reformas instituídas desde o golpe de 2016, como a EC95, caso contrário o serviço público continuará sangrando em prejuízo da prestação dos serviços públicos tão necessários à população.

Antes de concluir, um aspecto político de suma importância: a pressão contra a PEC32 não deve se dar apenas contra o Congresso e o Executivo, mas também contra o STF, que está para apreciar a validade da contratação de servidores públicos via CLT, produto da reforma administrativa do governo FHC em 1998 e que se encontra sub judici desde então. Em termos de tática política para o enfrentamento da agenda antipopular, os/as indígenas esta semana em Brasília apontaram o caminho da luta e da pressão contra os três lados da Praça dos Três Poderes, afinal de contas, o conjunto da República burguesa – a despeito de contradições importantes entre os Poderes – está comprometido e irmanado no intuito de “passar a boiada” do grande capital.

*Professor do IFAL, diretor do Sintietfal/SINASEFE-AL e militante da corrente sindical Unidade Classista.

Conferir:

+++Resultado do Tesouro Nacional (RTN)

+++Déficit primário em 2021 pode cair abaixo de 1,5% do PIB com ritmo de arrecadação, diz Guedes

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