Significado do Moro no (super)Ministério da Justiça

Gabriel Magalhães – Professor do câmpus Satuba e diretor do Sintietfal

Sérgio Moro e Paulo Guedes negociam cargos com o futuro presidente, Jair Bolsonaro (PSL). Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Moro no (super) Ministério da Justiça alça à condição de tutor civil do Judiciário e deve entrar em alguns embates com os membros deste Poder que ainda estejam fincados no momento anterior, no período de institucionalização da autocracia burguesa no Brasil. Desde 2015 o Brasil entrou num processo de transição para uma autocracia mais ou menos escancarada, esgarçando paulatinamente as parcas garantias civis e políticas instituídas em 1988 (desde sempre seletivas, posto que só vigoravam para uma parcela da população, rica e majoritariamente branca, mas ainda assim garantias a serem defendidas pelos democratas).

A devassa seletiva ao PT, o golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, o julgamento em tempo recorde de Lula, sua cassação política, bem como todos os expedientes extralegais envolvidos neste processo de longa duração (prisões ad infinitum até delação, conduções coercitivas, celeridade seletiva, etc.), tudo isso só foi possível mediante ação ativa ou conivência do Judiciário. Contudo, derrubada Dilma e a prisão de Lula encaminhada, o Judiciário deu provas de que queria regressar à era da “segurança jurídica” e pôr fim às excepcionalidades. Queria regressar à democracia restrita erigida em 1988 imaginando o retorno da direita tradicional (PSDB) e o regresso do país à normalidade. Como não há teleologia na história, ainda que sem intenção o Judiciário acabou por impulsionar um candidato neofascista que se sagrou eleito, com a sua decisiva contribuição dado o nível sem precedente de desmoralização que produziu ao conjunto do regime político já desgastado, ao mesmo tempo que bloqueava qualquer proposta de oxigenação da democracia (como a proposta de assembleia constituinte, por exemplo).

As demonstrações neofascistas do Bolsonaro, entretanto, produziram uma divisão no Judiciário: uma parte dos juízes se viu acuada e ameaçada por um Executivo de propensões bonapartistas, outra se adiantou à realidade e buscou demonstrar servilismo com o candidato, o que ficou explícito com as operações de censura às Universidades. A Suprema Corte buscou sair das cordas essa semana ao aprovar por unanimidade a ilegalidade das ações contra a liberdade de expressão nas universidades, ainda que nada mais incisivo tenha sido encaminhado contra a família Bolsonaro cujas falas estão sempre vomitando inconstitucionalidades flagrantes.

Moro no (super) Ministério da Justiça (incluindo a Coaf, antes Ministério da Fazenda) figurará como uma espécie de tutor civil do Judiciário, servindo, inclusive, para ocultar o papel protagonista que as Forças Armadas têm tido na cena política. Afinal, em quase quatro anos de Lava-Jato Moro sempre esteve acima do STF, apesar de todas as suas ilegalidades jurídicas com fins políticos. As ressalvas às suas ações eram tímidas e simbólicas, típicas de uma instância superior que perdeu o controle da inferior e limita a fazer ressalvas envergonhadas e inofensivas. Agora, sai temporariamente do Judiciário, até sua nomeação ao STF, para uma tarefa transitória que tem dois objetivos imprescindíveis para o novo governo neofascista:

1) as dores do parto de uma transição a um Brasil neocolonial não virão em embates apenas com a sociedade civil, mas também com as instituições componentes do aparelho de Estado na sua formatação pós-1988. Deste modo, o STF e o Judiciário em geral precisarão ser “enquadrados” por um mix de meios que envolve, dentre outros, o “tanque” e a desmoralização perante a opinião pública. A coerção militar, explícita ou velada, e a atuação do ex-super juiz e futuro ministro do STF servirão para asfixiar as vozes dissonantes neste Poder da República. O (super) ministro usará todos os expedientes que lhe cabe, oficiais e extra-oficiais, para constranger não só o Judiciário, mas também os setores recalcitrantes do Legislativo. Ou se avaliza a marcha da neocolonização do Paulo Guedes, ou se terá problemas com a Laja-Jato e com o “juiz-ministro”. Esta superou seu inicial status de operação excepcional e de curta duração para restaurar a “boa ordem” (leia-se, expurgar a centro-esquerda) e se converteu no grande Leviatã a instaurar a fórceps e em parceria com as Forças Armadas um novo regime político funcional ao novo padrão de acumulação do capital no Brasil, de perfil neocolonial – desmonte completo da proteção social e da capacidade do Estado atuar tendo em vista a superação da dependência econômica. A momento atual guarda semelhança com 1964, que de uma excepcionalidade regeneradora de curta duração durou 21 anos e alterou substancialmente o país, tornando-o muito mais dependente do grande capital estrangeiro.

2) na posição de super ministro e de homem público “de massas” (super-herói udenista), tem a tarefa de impulsionar a política diversionista do governo na caça de pseudos inimigos internos. Assim, ao mesmo tempo que irá desbaratar algumas quadrilhas de traficantes com amplo alarde midiático, dará continuidade à perseguição da esquerda na política (PT principalmente, mas não somente) e na sociedade civil, sindicatos e movimentos sociais. O ataque ao movimento sindical deve ter lugar garantido, dado a potência política e financeira dessas entidades. A política antissindical do neoliberalismo vem desde Magareth Tchatcher, não é novidade. Temer pôs fim ao imposto sindical com o objetivo exclusivo de esvaziar o poder financeiro dessas entidades. Muito provável Moro abrir um braço da Lava-Jato agora para os sindicatos, com fortíssimo apelo midiático. Uma coisa é certa: os trabalhadores na sua ingenuidade podem esquecer da greve geral de 28 de abril de 2017, mas o capital e suas personificações não esquecem – muito menos figuras bonapartistas alçadas oportunisticamente em momento de crise e de transição histórica à barbárie. Moro, portanto, é essencial para desviar o foco dos trabalhadores das questões essenciais e para desmoralizar as instituições da sociedade civil que, bem ou mal, têm a capacidade financeira e política de ecoar de forma transversal a oposição à agenda econômica ultraliberal.

O amplo e heterogêneo espírito democrático no país deve se materializar numa frente ampla antifascista, capaz de congregar todos aqueles que se contraponham ao autoritarismo do Estado contra a sociedade civil e a hipertrofia do Executivo. A única forma possível de se conter a extrema direita é via o ativismo da sociedade civil, principalmente das camadas proletárias e populares em geral, não se devendo esperar nada das próprias instituições do regime moribundo, de uma suposta adequação do Presidente fascista ao regime democrático de direito. Ou acreditamos nas nossas próprias forças ou pereceremos.

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