Nota Pública sobre a IN 54/2021 e sobre a reunião entre o comando de greve e a reitoria do Ifal
1.IN nº 54/2021 e a tentativa de cassar o direito de greve
A Instrução Normativa SGP/SEDGG/ME Nº 54, de 20 de maio de 2021 (IN 54) representa, certamente, a maior afronta ao direito de greve desde a ditadura militar. A execução fiel e acrítica dessa IN por parte dos órgãos públicos significa, na prática, tentar proibir os/as servidores/as de exercer o direito à greve, direito este consagrado na Constituição Federal de 1988. Editada pelo governo Bolsonaro, em plena crise sanitária da Covid-19, a IN 54 tem o nítido propósito de impedir a mobilização dos/as trabalhadores/as contra o desmonte dos Serviços Públicos, em especial, da educação e da Saúde; contra a violência crescente no país, que atinge, sobretudo, a população negra; e contra a extrema pobreza enquanto política estatal. O Governo Bolsonaro utiliza das armas mais cruéis para destruir qualquer atmosfera minimamente democrática em nosso país.
A IN 54 traz ao menos três grandes inovações ao ordenamento jurídico (fato que, por si só, já revela a sua ilegalidade, por ofensa ao princípio da reserva legal) que merecem especial atenção, por promoverem um ambiente de intimidação, perseguição e insegurança para os/as servidores/as no exercício de seu direito de greve. A primeira inovação é a exigência de que os/as servidores/as em greve sejam individualmente identificados, por exemplo, por meio de notificação aos seus chefes imediatos, informando que estão em greve, por mais que a entidade sindical já tenha efetuado a devida comunicação de deflagração do movimento paredista da categoria, na forma e prazos da lei. A segunda é o imediato corte de ponto e o consequente desconto salarial, antes mesmo de encerrada a greve ou de qualquer acordo firmado entre as partes envolvidas no processo, sem sequer ser observada a mínima garantia do contraditório, que possibilite a demonstração da justeza e legalidade da greve.
A terceira inovação operada pela IN diz respeito à exigência de submissão do acordo celebrado entre o gestor máximo do órgão e o sindicato representativo da categoria ao crivo quase que absolutista da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, para que tal autoridade declare sua concordância ou discordância em relação aos termos do ajuste firmado; em o secretário não anuindo, o acordo (ou a parte dele rejeitada) não possui qualquer validade, e uma nova negociação precisa ser feita entre órgão e sindicato, e assim se repetirá até que haja um texto que seja do agrado do secretário. Detalhe: cada vez que um acordo é enviado, a Secretaria dispõe de até 30 dias para se manifestar. E o pior: segundo a IN, somente depois que o acordo for enviado, aprovado pelo secretário e integralmente cumprido, isto é, só após finalizada toda a compensação de trabalho pós-greve, é que haverá qualquer devolução de salários descontados.
Ao trazer essas inovações ao ordenamento jurídico, visivelmente, a IN 54, que é um ato administrativo – portanto, infralegal –, além de invadir matéria de competência exclusiva de lei em sentido estrito, que é o direito de greve, ainda colide frontalmente com previsão expressa da Constituição da República, que, por força de seu art. 207, § 2º, garante às universidades e aos institutos federais “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.
É fundamental destacar que os nefastos efeitos dessa Instrução Normativa não se limitam à greve atualmente em curso (por recomposição salarial, pela revogação imediata da Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, e pelo arquivamento da reforma administrativa, greve esta deflagrada pelo Sinasefe Nacional em maio de 2022; na realidade, as consequências deletérias da IN atingem o direito de greve em si, neste e em qualquer movimento paredista que a categoria venha deflagrar em defesa dos Serviços Públicos e de melhores condições de trabalho, enquanto tal normativo permanecer vigendo e sendo cegamente aplicado. A intenção do Governo Federal presidido por Bolsonaro é que os/as Servidores/as se vejam com as mãos atadas enquanto observam a destruição da Educação Pública e o desmantelamento de suas carreiras.
A inflação corrói de maneira drástica os salários dos/as trabalhadores/as brasileiros/as. Não é diferente em relação aos/às servidores/as públicos/as da educação federal, especialmente aos Técnicos Administrativos, que possuem os menores salários entre todas as carreiras vinculadas ao Poder Executivo Federal, e há mais de cinco anos não recebem qualquer reajuste em suas remunerações. Se apenas destacarmos o empobrecimento dos/as trabalhadores/as que sofrem amargamente com a inflação crescente, já seria suficiente para demonstrar que essa greve é por uma causa legítima. No entanto, a luta não se limita à recomposição salarial pela inflação; estamos na luta contra o sucateamento e, consequentemente, contra a possibilidade real de fechamento dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
O último corte de recursos do Ministério da Educação, recentemente anunciado pelo Governo Federal, associado a todos os cortes realizados durante os outros anos de governo Bolsonaro, impacta diretamente o funcionamento dos IFs e UFs. Estamos diante de um perigo concreto, a curtíssimo prazo, de os Institutos e Universidades Federais fecharem suas portas. A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino) e o Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), que são as entidades que reúnem os reitores das universidades e dos institutos, respectivamente, emitiram notas que não deixam margem a dúvidas sobre o cenário altamente preocupante, de verdadeira impossibilidade da continuidade das atividades dessas instituições se a medida do governo não for imediatamente revertida.
Se considerarmos apenas este fato gravíssimo do bloqueio orçamentário, já teríamos motivos mais do que suficientes para uma greve unificada entre servidores/as, inclusive gestores/as, e estudantes da Rede Federal de Educação, assim como para uma intensa jornada de mobilizações dentro da instituição e nas ruas. Num cenário tão grave como este, não podemos permitir que a IN 54 seja utilizada para impedir uma ampla e urgentemente necessária organização da classe trabalhadora e da sociedade civil como um todo em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade enquanto direito social da mais elevada envergadura constitucional. Em um contexto como esse, manifestar-se é mais do que um direito; é verdadeiro dever de todos/as aqueles/as que se preocupam com o presente e o futuro da nossa juventude. Uma das historicamente mais eficazes formas de manifestação, a greve representa o próprio exercício do direito de negociação real, não podendo essa IN, portanto, se apresentar como barreira a atravancar o caminho daqueles/as que se dedicam à luta pelas justas causas coletivas.
Nesse sentido, existem formas e fundamentos robustos para combater seus efeitos nefastos, seja por parte dos/as servidores/as mobilizados/as, exigindo a revogação da IN, seja por parte das reitorias dos Institutos e das Universidades, que, ao lançar mão de sua autonomia constitucional, podem legitimamente celebrar acordos com os sindicatos representantes das categorias se comprometendo em não cortar os salários dos/as trabalhadores/as, com a contrapartida de que esses/as, por seu turno, se comprometam em repor o trabalho represado, ao final do movimento paredista.
Sobre o assunto, a assessoria jurídica do Sinasefe Nacional formulou parecer que demonstra categoricamente a ilegalidade formal e material da IN 54. Abaixo, destacamos alguns pontos da nota técnico-jurídica produzida:
“Considerando o exposto, faz-se pertinente concluir que a Instrução Normativa n. 54 […] representa afronta:
ao art. 37, inciso VII, da CRFB no que estabelece cláusula de reserva de lei em sentido estrito para a regulamentação dos termos e dos limites em relação aos quais deve ser exercido o direito de greve;
[…]
à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede dos Mandados de Injunção n. 670, n. 708 e 716 e do Recurso Extraordinário n. 693.456, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, no que não inibiu, condicionou ou restringiu a criatividade do gestor na negociação de acordo para a compensação das horas paralisadas em razão do exercício do direito de greve;
ao Parecer Vinculante n. 004/2016/CGU/AGU no que reconhece a impossibilidade de conferir interpretação a operacionalização do corte de ponto à medida que “os diferentes órgãos e entidades da Administração Pública possuem mecanismos próprios” e que “deve haver algum grau de discricionariedade para que a Administração Pública, durante o movimento grevista, verifique, nas condições concretas e estruturais de cada órgão ou entidade, a forma e o momento do corte de ponto e de desconto dos dias não trabalhados”;
ao Parecer Vinculante n. 004/2016/CGU/AGU no ponto em que discorre sobre a pactuação de acordos para atenuar ou evitar o desconto da remuneração nos dias equivalentes aos de paralisação, consignando que “não foram enfrentados no julgamento do RE 693.456 outros aspectos sobre os limites da possibilidade de negociação, durante o movimento grevista, tendo o STF deixado claro que a questão depende de uma solução NORMATIVA” e que “enquanto não elaborada NORMA para regulamentar a greve no serviço público, existe a possibilidade de negociação […], para que possa ser realizado acordo para a compensação MEDIANTE UM PLANO DE TRABALHO A SER DESENVOLVIDO PELOS GREVISTAS, sem a necessidade de imposição de descontos dos dias parados”, possibilidade considerada como “fator determinante para a construção de acordo entre os envolvidos”;
[…]
ao Decreto-Lei n. 200/67, no que estabelece a organização da Administração Pública Federal de modo a vincular, mas não subordinar, as entidades da Administração Indireta a eventual intervenção da Administração Direta;
[…].”
Frise-se que o Parecer Vinculante n. 004/2016/CGU/AGU, mencionado acima, e que expressamente, como se viu, permite a realização de acordo de modo a não haver descontos salariais de grevistas, é justamente o documento citado pela IN 54 como suposto fundamento para sua edição.
Para ler o parecer técnico da Assessoria Jurídica do Sinasefe Nacional na íntegra, clique aqui.
2.Greve no Ifal e negociação com a reitoria
No último dia 27 de maio de 2022, o Comando de Greve do Instituto Federal de Alagoas, constituído em assembleia geral no dia 19 do mesmo mês, reuniu-se com o professor Carlos Guedes, reitor da Instituição, e a sua equipe sistêmica, para discutir a IN 54 e iniciar a construção de acordo de reposição, requerendo o compromisso da gestão com o não corte de ponto para os/as servidores/as grevistas.
Em reunião anterior, ocorrida no dia 25 de maio, a reitoria havia se comprometido em analisar os acordos e os normativos internos já produzidos em outras instituições federais de ensino, a fim de subsidiar a possibilidade de realizarmos um acordo específico para os/as servidores/as do IFAL.
A proposta central do comando de greve foi o comprometimento da reitoria em não cortar o salário dos/as Servidores/as em greve e dar início aos trabalhos de um GT com o propósito de construir uma minuta que poderia ser assinada e publicada pelo reitor, no uso de seu poder discricionário, ou pelo conselho superior do IFAL, após aprovação neste colegiado. A partir da leitura e da reflexão sobre os documentos pertinentes, como os formulados no âmbito da UFS, do IFMG, do IFSP e do IFMS, poderíamos fazer valer a autonomia da Instituição e afastar os dispositivos ilegais da IN 54, visto existir amplo respaldo legislativo para fazê-lo, permitindo a celebração de acordo antes de qualquer corte de ponto dos/as servidores/as.
Diante da proposta apresentada pelo Comando de Greve, a reitoria optou pela não formação do GT neste momento e informou que manteria o cumprimento da IN 54. Foi realizado um intenso e longo debate, assim como foram apresentadas todas as implicações decorrentes da observância dessa Instrução Normativa. Após toda discussão, a reitoria se comprometeu em não lançar os registros de falta por greve dos/as servidores/as participantes do movimento paredista e fazer um acordo para reposição do tempo paralisado desde de que esse acordo comece a valer antes do prazo limite para o fechamento da folha de pagamento dos/as servidores/as neste mês de junho. Para isso, na prática, a greve precisaria ser encerrada antes do fechamento da folha deste mês. A reitoria se comprometeu em voltar a se reunir com o Comando de Greve, no dia 13 de junho próximo, para, a depender da decisão da categoria em assembleia geral, definir os termos de acordo de greve a ser, nos moldes da IN, enviado para anuência ou não da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia.
Sem possibilidades de mais avanços na reunião, o Comando de Greve informou que realizaria todas as assembleias municipais previstas e convocaria uma assembleia geral até o dia 10 de junho para apresentar e discutir as questões que foram levantadas na reunião com a reitoria. A partir do entendimento da categoria no sentido de manter ou não a greve, serão decididas as próximas ações do movimento paredista.
O Comando de Greve esteve sempre preocupado em explicar que a tomada de decisão em relação à categoria sempre esteve nas mãos da própria categoria, em suas legítimas instâncias deliberativas. Assim como a direção do sindicato não tem poupado esforços no sentido de garantir a luta mais avançada e mais progressista mesmo com todos os obstáculos e desafios que enfrentamos. Dessa forma, é fundamental que a categoria ocupe os espaços de luta e de decisões que lhe são tão caros e que vêm sendo tão frontalmente atacados, principalmente nos últimos anos, por um governo de caráter fascista.
Por tudo isso, exortamos todos/as os/as servidores/as do IFAL a se somarem à agenda de lutas e de assembleias da categoria e exercerem seu direito de voz e de voto. Muitos são os motivos que nos movem à construção dessa trincheira de resistência em defesa da educação pública em nosso país e no estado de Alagoas.
Comando de Greve do Instituto Federal de Alagoas
30 de maio de 2022
Mariluze da Silva Vieira Fidelis
30 de maio de 2022 em 20:38Infelizmente o autoritarismo prevalece em total violação dos direitos democráticos.