Lei de Cotas completa 10 anos de existência e resistência no Brasil

(Foto: Divulgação)

No final do último mês, dia 29 de agosto, a Lei de Cotas completou dez anos. Com o objetivo de acabar com a desigualdade racial e democratizar o acesso ao ensino superior, a lei federal 12.711 de 2012, sancionada por Dilma Rousseff, firmou a obrigatoriedade de universidades e institutos federais em destinarem metade de suas vagas para pessoas que estudaram todo o ensino médio em escolas públicas, autodeclaradas negras (pretas e pardas) e indígenas, em algumas universidades há a inclusão para os/as quilombolas e a comunidade LGBTQIA+.

Ainda neste ano, a lei pode passar por uma revisão, ou seja, serão analisados elementos como a efetividade das ações e a porcentagem para cada recorte, podendo ser ampliadas, restringidas ou mantidas.

Já tramitam no Congresso, 67 projetos de lei que estão propondo a alteração da Lei de Cotas. Destes, 31 tentam restringir os efeitos da legislação. Os dados foram levantados em março pela ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros).

“É importante reforçar que as ações afirmativas não são privilégios, são reparações históricas fundamentais para humanizar um país que se diz democrático e que cresceu às custas do sangue, do suor e das violências de todos os tipos contra nossos/as ancestrais. Em um país como o nosso, com um histórico recente de mais de 300 anos de escravidão, as cotas precisam ir além da existência, precisam ser defendidas e protegidas, resistindo contra qualquer tipo de ameaça. A branquitude tenta, o tempo todo, nos manter nos navios negreiros da contemporaneidade, sejam nas prisões, nos hospícios, nas cozinhas das sinhás modernas, nos ônibus lotados, nos camburões da polícia que age como capitão do mato a serviço do Estado, exterminando os jovens negros da periferia ou nos querem na ignorância, longe das escolas e das universidades. Nada mais irritante para um branco racista que vive no seu privilégio, do que ver um preto acessando a universidade, se formando, trabalhando, viajando e tendo uma vida confortável e digna. Nos querem ainda escravizados(as), sentem prazer em nos humilhar e nos ver humilhados”, afirmou Ana Lady, diretora do Sintietfal.

Esse processo de revisão está previsto na legislação, que determinou o prazo de uma década após sua publicação. Ainda assim, diversos projetos de leis tentaram transferir a revisão do projeto para o futuro, com prazos de até 50 anos sob a justificativa de que uma década é pouco tempo para uma ação de afirmativa causar o impacto desejado.

Mesmo com as tentativas de adiar sem sucesso, esse debate tende a ocorrer somente após o período eleitoral, na próxima legislatura. Até lá, a política de cotas continuará regendo, sem alterações, o sistema de ingresso nas Instituições de Ensino, como garantiu a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

A história por trás das cotas

(Foto: Ubes/Divulgação)

O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, há 134 anos, pressionado pelo capitalismo que emergia na Inglaterra e que precisava de trabalhadores assalariados. Esse período é menos da metade do tempo em que ela existiu legalmente. Foram mais de 300 anos de exploração e injustiças. Depois da abolição, não houve garantia dos mesmos direitos para negros, indígenas, estrangeiros brancos e habitantes do Brasil, na época, perpetuando ainda hoje as disparidades sociais, econômicas e políticas.

A luta pelo direito da população negra ao ensino superior não começou há pouco tempo. Desde o século passado, organizações, como o Movimento Negro Unificado (MNU), já firmavam o debate sobre a necessidade de políticas de reparação e combate ao racismo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), a maior parte da população brasileira é formada por negros, com 56,2% declarados pardos ou pretos. Mas em um recorte feito pela Síntese de Indicadores Sociais (SIS, 2019), apenas 18,3% de jovens negros estavam cursando ou já haviam concluído o ensino superior. A porcentagem de jovens brancos é quase duas vezes maior, 36,1%.

A implementação de políticas públicas é necessária para ceifar essas diferenças profundas, garantindo o acesso e a permanência de pretos e pardos no sistema de educação. Elas atuam como forma de reparação histórica e social. É o reconhecimento das desigualdades raciais pelo governo em um país miscigenado e multirracial.

Em 2001, foi realizada pela ONU a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância. O evento foi um marco e serviu como um norte para a adoção de políticas públicas contra a desigualdade, além de escancarar o racismo estrutural no país. No evento, cada nação deveria apresentar propostas concretas para o avanço da equidade racial, o Brasil levantou a adoção de cotas como tema.

Dois anos depois, em 2003, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi a primeira faculdade no país a estabelecer cotas em seu vestibular. Mais tarde, a Universidade de Brasília (UNB) foi a primeira federal a fazer isso.

Foi por meio do sistema de cotas que a universidade, antes embranquecida, viu pela primeira vez, em 2018, o número de matrículas de estudantes pretos e pardos ultrapassar a de alunos brancos, com 50,3% de matriculados. Essa é uma vitória para a população preta e dos movimentos estudantis do Brasil

Sobre a Lei 12.711/12

No dia 29 de agosto de 2012, a presidenta Dilma Roussef sancionou a Lei 12.711 que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, determinando o mínimo de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

A reserva de vagas é feita através de subdivisões dos grupos minoritários, prevendo a integração de pessoas autodeclaradas pretas, pardas, indígenas e de baixa renda. De acordo com a lei, metade dessas vagas destinadas às cotas devem ser preenchidas com estudantes com renda familiar inferior a um salário mínimo e meio e a outra metade para renda superior a esse limite.

A partir de 2016, com a criação da lei 13.409, pessoas com deficiência (PcD) tiveram sua porcentagem garantida nesse sistema.

Um Comentário em “Lei de Cotas completa 10 anos de existência e resistência no Brasil

Bibiana
21 de setembro de 2022 em 20:45

Muito bom! Tomara que a lei continue a evoluir para atingir cada vez mais pessoas com deficiência. Tenho visão monocular (em apenas um olho) de 20% e baixa visão. Recebi bolsa em e. particular, porém, enfrentei inúmeros obstáculos durante o meu E.F. e E.M. em função da minha limitação visual como dificuldade para enxergar/ler o quadro e slides, nunca conseguia ver bem o que estava escrito mesmo sentando na frente. Muitas vezes precisava tirar foto para poder aumentar ou copiar depois das colegas para pelo menos consequir ler e tentar acompanhar o conteúdo dado. São tantos episódios que dificultaram muito o meu aprendizado. Além de, sempre, necessitar de provas
ampliadas, tempos adicionais e
auxílios para gabaritos, dentre outros. O que, infelizmente, nem sempre foi fornecido, diversas vezes “esqueciam” de ampliar a prova e por ai vai.
Por ter bolsa em escola particular, não posso utilizar nenhuma cota
assegurada para PCD na maioria dos vestibulares públicos e/ou SISU, embora seja deficiente visual. Concorro em desigualdade na ampla concorrência com alquém que não tem o mesmo problema que eu ou, na maioria das vezes, não tem nenhum. Me sinto excluída, pois não posso utilizar nenhuma reserva para PCD que por lei seria um direito meu como deficiente em virtude do requisito da escola pública, aumentando os desafios enfrentados ao longo dessa caminhada, os quais já são
vários.

Portanto, gostaria de deixar de sugestão para alguma alteração e ampliação que haja uma separação entre PCD de escola particular da concorrência geral, assim como a cota de PCD de escola pública já é, em que os deficientes concorrem SOMENTE entre si e não com outros grupos de escola pública. Haja vista as dificuldades que os deficientes de escola particular também enfrentam, as quais nem se comparam de forma alguma com uma ampla concorrência em que não há limitação nenhuma! Por exemplo, quem enxerga normal lerá sem dificuldades, resolverá provas em menos tempo, além de poder revisar o que ficou em dúvida antes de finalizar. Eu, na maioria, não leio a prova inteira, pois não dá tempo por ser extensa e mesmo minha visão sendo “boa” de perto, acaba cansando e demorando muito mais por ler com um olho só e preciso chutar no gabarito questões sem nem ler – que talvez até soubesse a reposta. Além disso, não consigo revisar o que eu fiz muito menos refazer nada em função da minha limitação visual, pois mesmo dando o meu melhor para ter uma boa estratégia de prova, eu tenho uma barreira e isso é um fato. E, principalmente nesse caso, é bem injusto como PCD concorrer com alguém que enxerga com 2 olhos e perfeitamente, visto que meu problema de visão influencia nessas questões
que citei acima, além de também
prejudicar no meu desempenho final. Logo, seria sem dúvida desvantagem e injustiça ser equiparada no mesmo patamar de tal categoria de concorrência. Me sinto invisível, pois as universidade ofertam apenas as vagas exigidas pela lei de escolas públicas. Vale ressaltar que acredito que seja extremamente válida a adoção de cotas, essa em questão foi criada com o intuito de aumentar a inclusão e o acesso no ensino superior, porém, ao mesmo tempo acaba também excluindo parte desta população ao considerar o requisito da escola como fator determinante para a pessoa ser deficiente. Assim, muitas universidades criam barreiras ao acesso das PCDS no ensino superior ser assegurado, aumentando as dificuldades enfrentados ao longo dessa jornada, as quais são inquestionáveis independente do percurso escolar realizado.

Por isso, acredito aue haveria maior inclusão se ambas categorias fossem separadas para haver igualdade. Assim, todos deficientes poderão ser amparados com uma reserva específica, dentre as particularidades de cada modalidade, obviamente, e terão sua plena inclusão assegurada. Conforme consta no próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência (LEI N° 13.146/2015) Cap. II Art. 4° que dispõe de que toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais e não sofrerá nenhuma espécie de aiscriminaçao. “Considera-se discriminação toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular
o reconhecimento ou o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais
de pessoa com deficiência.” Também na
Declaração dos Direitos das Pessoas
Deficientes que em seu texto trata
sobre a promoção, proteção e
afirmação do exercício pleno e
equitativo de todos os direitos
humanos para todas as pessoas com deficiência. No entanto, nem todo PCD participará em igualdade ao passo em que nem todos estão em condições de iguais oportunidades, pois apenas os de escola pública são amparados e possuem uma reversa específica exigida na lei, a qual exclui os oriundos de particular e torna ambígua a questão de não discriminação, já que ao considerar somente o percurso escolar na rede pública, retira dos demais um direito que deveria ser assegurado: o acesso à educação. Expresso na lei acima: Cap. IV Artigo 28 inciso II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena; Além de, XIll – acesso à educação superior em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;

Desse modo, é necessário haver igualdade, estabelecendo que TODA pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas. É essencial que conforme frisa a Lei e a Declaração expostas que TODOS os deficientes sejam amparados e tenham condições de igualdade, sem sofrer qualquer tipo de discriminação, tendo sua dignidade respeitada. No entanto, com a lei vigente, os deficientes de escola particular ficam segregadas e com o impedimento de sua plena inclusão pela criação de barreiras ao acesso no ensino superior em universidades brasileiras reforçando uma visão excludente e preconceituosa. Logo, é imprescindível que todos possam usufruir do beneficio que facilita o ingresso em IES, deve ser reservado um percentual de vagas aos estudantes de escola pública e outro vinculado às vagas destinadas aos egressos de
escolas particulares, pois a pessoa não deixa de possuir alguma deficiência ou limitação por estudar em escola privada ou pública. Grata!

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