É possível vencer a guerra da Previdência

Por Gabriel Magalhães

A entrevista do Rodrigo Maia (DEM) ao Valor Econômico é bastante esclarecedora das dificuldades que envolvem a aprovação da contrarreforma da previdência.

Em primeiro lugar, Maia evidencia que a base eleitoral do Bolsonaro não está dando combate a favor da proposta, que, por sinal, é prova de fogo para o governo, pois caso não a aprove – ou a aprove muito desidratada – corre o risco de se tornar desfuncional para o capital financeiro, que com isso poderia decidir se aventurar por outras alternativas políticas. Essa postura revela a contradição existente na base bolsonarista, que, em regra, elegeu o ex-terrorista em virtude de um estelionato eleitoral, afinal de contas, nas eleições o capetão se pronunciou diversas vezes contra a “reforma” da previdência de Temer, mas a sua consegue ser ainda pior. Justiça seja feita: em 2015 a mídia empresarial colou em Dilma a marca de estelionato já que ela havia dito em campanha que não suprimiria direitos nem que a “vaca tossisse”, mas, passadas as eleições, assumiu o programa econômico do candidato derrotado. Se Dilma foi estelionatária em 2015, Bolsonaro está sendo em maior intensidade em 2019.

Essa resignação da base bolsonarista reflete pesquisa do Datafolha ainda no mês de janeiro, quando 57% dos seus eleitores se disseram contrários à redução de direitos trabalhistas. Apesar de não ter havido enquete acerca da previdência, é razoável se depreender que o cidadão contrário à retirada de direitos trabalhistas também tenda a ser contrário à retirada de direitos para a proteção na invalidez e velhice. Somemos a rejeição desta proposta aos escândalos envolvendo corrupção da Famiglia Bolsonaro, seus vínculos explícitos com as milícias cariocas e o uso acintoso de laranjas no processo eleitoral por parte do seu partido, PSL, para formar um quadro que fragiliza a base eleitoral bolsonarista. Seus eleitores tendem a deixar de serem militantes do governo. Resignam-se.

Além disso, Maia expõe outro ponto relevante: o ímpeto ultraneoliberal de Guedes pode contaminar a proposta como um todo. A desvinculação do BPC ao salário mínimo, o fim da aposentadoria especial do segurado rural e a elevação do tempo de contribuição para o urbano podem colar no imaginário popular e galvanizar uma rejeição que envolva amplas parcelas dos trabalhadores. Cabe aos antagonistas da proposta intensificarem a militância, massificando a informação dos ataques.

Maia chegou a enviar a PEC da previdência para a CCJ antes desta ser formada, mas a expectativa disso ocorrer antes do carnaval já foi descartada. O PSL que presidirá a comissão está em disputa interna e não chega ao consenso quanto ao nome que cumprirá tal função. O partido do Planalto não se coesiona, bate cabeça, o que fragmenta ainda mais o bloco parlamentar em tese aliado do governo. Parece haver incapacidade do governo dirigir sua base aliada, o que abre espaço para o próprio Maia figurar como uma espécie de primeiro-ministro. Cobra ele mais fisiologismo do governo para com o trato aos parlamentares, o que Bolsonaro pretende fazer com a distribuição de cargos no segundo e terceiros escalões. Maia revela que o caso Bebianno cria um cisma entre os parlamentares e o presidente. Por essa via o governo não tem tido vida fácil até aqui.

Paulo Guedes busca costurar apoio dos governadores e prefeitos à contrarreforma da previdência de várias formas. Buscou vincular o ressarcimento da União às desonerações da Lei Kandir aos estados ao apoio à PEC, mas encontra resistência. A automática vinculação das novas regras propostas para os servidores federais aos níveis estadual e municipal encontra mais recepção, mesmo que parcialmente.

Moro, por sua vez, usa do expediente do Estado policial para constranger todos aqueles que ousem impor algum tipo de oposição. Com esse fito, na semana passada deflagrou mais um capítulo da operação Lava-Jato (agora política de governo) que prendeu o operador tucano junto a Odebrecht, Paulo Preto, e fez diligências em propriedades de Aloísio Nunes. Com isso manda um recado ao próprio PSDB e à classe política em geral, cobrando-lhes fidelidade às principais agendas políticas do governo. O mesmo fez com a fração industrial da burguesia quando da prisão do presidente da CNI, ceifando qualquer crítica à inconteste hegemonia do financismo. Moro e Guedes agem articuladamente.

Apesar de todas essas iniciativas, do Planalto e dos (Super)ministérios da Economia e da Justiça, o governo tem encontrado dificuldade de criar hegemonia em torno da reforma, seja na sociedade e até mesmo no Parlamento. Se a temperatura política nacional continuar como se encontra hoje, é certeza que, mais cedo ou mais tarde, a maioria parlamentar será atingida. Apenas a ação política incisiva dos trabalhadores pode derrotar a PEC, criando uma hegemonia anti-reformista na sociedade que pressione prefeitos, governadores e parlamentares a não se posicionarem favoravelmente. Nesse quesito o Maia, inimigo declarado dos trabalhadores, paradoxalmente nos avisa de algo essencial: estamos ganhando a batalha da comunicação. O movimento ainda está dando seus primeiros passos, mas já demonstra claramente seu potencial de se fortalecer e derrotar o governo de extrema direita neoliberal.

 

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